"Não tenho tempo para Deus". Essa reclamação é frequente demais para os cristãos. Mas e se a nossa própria rotina, com toda sua bagunça e repetições aparentemente irrelevantes, fosse um meio de Deus estar presente conosco? Este livro, estruturado como se você estivesse vivendo um dia comum na vida da autora, explora a vida diária com o olhar da liturgia. Nossos hábitos, dos mais banais (como arrumar a cama ou escovar os dentes) aos mais irritantes (como brigas conjugais ou ficar preso no engarrafamento), podem ser uma espécie de disciplina espiritual. Tish Harrison Warren, esposa, mãe e missionária universitária, escreveu uma teologia prática do seu dia a dia. O tédio não vai mais roubar bênçãos que Deus colocou na sua rotina.
Eu gosto do jeito que Tish Warren escreve. É simples, de certa forma até meio didático. Ela é objetiva e seleciona muito bem os elementos do cotidiano para comparar com a vida espiritual.
O ano começou há poucos dias, está muito longe de chegar a seu fim e eu já estou elegendo "Liturgia do Ordinário" como uma das melhores leituras do meu 2025. Definitivamente começar meu ano por ele foi uma escolha certeira. Sinto algo diferente após a finalização desse. Há um lado meu mais reflexivo e desejoso por uma mudança de mentalidade e ação. E confesso, amo quando termino um livro e ele me deixa assim: sem saber muito bem como continuar a viver.
O livro começa acordando. Como a própria sinopse entrega, sua estrutura é uma espécie de rotina/ordem da vida da autora. Achei bem pensado e organizado.
Logo de início, a autora faz uma comparação sobre batismo e aprender a ser amada. Isso me faz pensar o quanto o batismo indica o começo da nossa vida cristã. Sei bem que ela se inicia ao aceitarmos Cristo como salvador, mas gosto de pensar que o batismo é o marco de uma nova vida, então começamos a partir dele.
Gosto que as reflexões começam de maneira tranquila, como um acordar mesmo, mas principalmente, nos convidando a lembrar do batismo e como somos amados por Deus. Essa é uma ótima maneira de começar a segunda-feira.
Para alguns é fácil olhar para Deus no ordinário, mas para outros não. Usar elementos da rotina como perder as chaves, ficar presa no trânsito com crianças gritando de fome, olhar e-mails ou brigar com o marido, podem não ser exemplos de onde Deus pode ser encontrado, olhado e o sagrado admirado; porém, de uma maneira leve, clara e objetiva, a autora nos mostra que sim, Deus nos encontra em nossa rotina e nos momentos mais triviais do dia.
Gosto muito do termo abordado por esse livro: teologia prática do dia a dia.
Gosto porque é exatamente isso que ele nos apresenta. Como viver essa teologia que se relaciona com nossa vida cotidiana. O sagrado no ordinário e o ordinário se tornando sagrado.
Em diversos momentos senti minha mente se expandir com coisas muito simples, mas que carregam um peso de glória, digamos assim. De certa forma esse livro me lembrou outro: "Arte + Fé" de Makoto Fujimura. Eles não são parecidos, mas de certo jeito semelhantes.
Enquanto Tish nos leva para o lado da vida ordinária, Fujimura nos encaminha para a teologia do criar. E é muito bom encontrar e ler autores que nos levam para essa reflexão de uma vida de adoração, espera e admiração através do que criamos, e no caso de "Liturgia do Ordinário", da nossa vida comum.
É uma forma de viver e enxergar o evangelho que muitas vezes está distante dos olhos da maioria das pessoas. Para você até pode ser um pouco óbvio, mas como eu costumo dizer e defender: o óbvio para fulano não é para beltrano, e muitas vezes é preciso ser relembrado.
E Tish me relembrou a viver minha vida ordinária de uma maneira mais leve, mais sagrada. Quando ela escreve sobre escovar os dentes, minha mente explode com uma reflexão tão singela, mas que de alguma forma se aprofunda na alma:
"Quando escovo meus dentes, eu estou lutando, de uma forma minúscula, contra a morte e o caos que inevitavelmente tomarão o meu corpo. Eu sou pó polindo pó. Mas eu não sou só pó. Quando Deus formou pessoas do pó, Ele soprou em nós, passando pelos nossos lábios e pelos nossos dentes, o fôlego dele mesmo. Então, eu vou lutar contra a Queda no meu corpo. Eu vou cuidar dele o melhor que eu possa, sabendo que o meu corpo é sagrado e que cuidar dele (e de outros corpos ao meu redor) é um ato sagrado. Eu vou me segurar na verdade de que o meu corpo, mesmo com toda sua miséria, é amado e que um dia ele será o corpo ressurreto de Cristo, glorioso. Escovar os meus dentes, portanto, é uma oração não verbal, um ato de culto que ostenta a esperança do porvir. O meu hálito de menta: um pequeno antegosto da glória."
Gosto da maneira em que ela fala nesse capítulo sobre o cuidar do corpo não como a vaidade estética, mas como uma oração não dita.
Nesse mesmo capítulo, pouco antes do quote citado, ela fala sobre construção de casas e narra um episódio em que um pastor ao fazer a consagração na casa de uma família, ao chegarem todos no banheiro (eles oram de cômodo em cômodo), ele unge o espelho e ora para que "quando as pessoas olharem para ele, elas se vejam como imagens amadas de Deus. Ele ora para que elas não se relacionem com os seus corpos com as categorias que o mundo lhes dá, mas sim de acordo com a verdade de quem elas são em Cristo."
Isso meus amigos, é simples, bonito, especial e sagrado. É mais do que abençoar uma casa ou um corpo.
É na simplicidade do ensino da autora que as peças da liturgia vão se encaixando pouco a pouco e formando um belo retrato.
Caminhando para o final do livro, Tish nos leva para o capítulo em que um trecho me fez refletir e chorar na alma. Foram com essas palavras que percebi o quanto o sagrado precisa entrar no meu ordinário, na minha rotina caótica e muitas vezes desorganizada:
"Para mim, a ansiedade e as preocupações irritantes estão sempre mudando no pano de fundo, me roubando a capacidade de simplesmente respirar. Tenho de aprender a me render, a desistir da minha frágil ilusão de controle e relaxar entregue à beleza. Como pessoas ocupadas, pragmáticas, apressadas e distraídas, desenvolvemos hábitos de desatenção e perdemos as minúsculas teofanias do nosso dia. Mas, se estivéssemos completamente vivos e inteiros, nenhum prazer seria ordinário ou comum demais para levar à adoração."
Independente de religião, esse é um livro que todos deveriam ter a oportunidade de ler.
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